quarta-feira, 15 de abril de 2009

Machado de Assis, escritor e enxadrista


Por Roberto Cruz.

O genial Machado de Assis não foi somente romancista, contista, poeta, dramaturgo, teatrólogo e jornalista, foi também um enxadrista entusiasta e compositor de problemas e enigmas de xadrez. Ele foi o autor do primeiro problema genuinamente brasileiro, originalmente publicado na revista Ilustração Brasileira no ano de 1877.

Machado, que frequentava os círculos enxadrísticos imperiais, participou do primeiro torneio de xadrez realizado no Brasil em 1880. Era amigo do músico e fortíssimo enxadrista português Arthur Napoleão e do célebre João Caldas Vianna, o criador brasileiro da defesa Rio de Janeiro para a abertura Ruy López, uma das defesas preferidas de Emanuel Lasker, um dos grandes campeões mundiais de todos os tempos. Arthur Napoleão, prodígio do piano na infância, foi um grande divulgador da música brasileira e do enxadrismo em terras tupiniquins durante décadas, além de ter sido professor de música de Chiquinha Gonzaga.

Machado mantinha correspondência com as seções especializadas dos periódicos da época e enviava cartas ao amigo Joaquim Nabuco, que estava em Londres, solicitando que lhe encaminhasse pelos correios recortes de jornais locais que continham partidas anotadas de famosos enxadristas da Europa.

Este grande mestre da literatura advogava que “das qualidades necessárias ao jogo de xadrez, duas essenciais: vista pronta e paciência beneditina, qualidades preciosas na vida que também é um xadrez, com seus problemas e partidas, umas ganhas, outras perdidas, outras nulas.” (em Iaiá Garcia, Capítulo XI).

Em 1896, ele escreveu em uma de suas crônicas: "Meu bom xadrez, meu querido xadrez, tu que és o jogo dos silenciosos, como te podes dar naquele tumulto de freqüentadores? Quero crer que ninguém te joga, nem será possível fazê-lo. Basta saber que há uma hora certa, às seis da tarde, em que sai de dentro de um tubo de ferro uma bandeira com o nome de um jogo. Como podes correr a ver o nome da bandeira, se tens de defender o teu rei – branco ou preto, – ou atacar o contrário, preto ou branco?"

Segundo Cláudio Soares, autor do brilhante artigo Machado de Assis, o enxadrista, publicado pela Academia Brasileira de Letras, a influência do pensamento enxadrístico estaria presente em toda a obra de Machado de Assis, que curiosamente chamava as peças de "trebelhos".

É importante ressaltar que Machado não foi o único célebre escritor-enxadrista da história da literatura mundial, uma vez que, ainda segundo Soares, existiram dezenas de outros e enumera, dentre eles, os mais importantes: Shakespeare, Cervantes, Goethe, Charles Dickens, Balzac, Dostoiévski, Tolstoi, Allan Poe, Conan Doyle, Orwell, Yeats, Lewis Carroll, Nabokov, Ibsen, Isaac Asimov, Baum, Kipling, Sinclair Lewis, Mailer, Melville, Puchkin, Shaw, Vonnegut, Wells, Zweig, Stevenson, Rushdie e Amis.

Leitura recomendada:
  • SOARES, Cláudio S. Machado de Assis, o enxadrista. Revista Brasileira, nº 55. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2008.
  • Jornal do Tocantins. Machado de Assis e suas duas paixões. Entrevista com Cláudio Soares, por Elisangela Farias, 2008.

Problema da Semana

Este é o primeiro problema de xadrez brasileiro, composto por Machado de Assis e publicado na Ilustração Brasileira em 1877. A composição foi posteriormente incluída na clássica coletânea Caissana Brasileira de Arthur Napoleão, publicada em 1898.

As brancas jogam e ganham. Mate em 2 lances.

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Solução: [ 1.Bb5! (Se 1...Rd8 2.Rf7 mate; Se 1...e5 2.Df6 mate) ]

terça-feira, 7 de abril de 2009

A Aeróbica da Mente


Por Roberto Cruz.

Um dos trechos que mais apreciava no primeiro capítulo do excelente “Xadrez Básico”, o meu primeiro manual de enxadrismo, de autoria do médico e mestre nacional Orfeu Gilberto D’Agostini, eram as quatro frases de pensadores célebres que exaltavam as virtudes desta arte marcial intelectual. Dentre elas, a que mais me chamou a atenção foi a do escritor e pensador alemão Johann Wolfgang von Goethe, uma das mais importantes personalidades da literatura alemã e do Romantismo europeu. A citação de Goethe assegurava que o “o xadrez é a ginástica da inteligência”, uma definição mais que perfeita.

A prática do xadrez na modalidade "pensada", com muito tempo disponível no relógio de xadrez, essencialmente é uma verdadeira musculação cerebral, onde temos que fazer muito esforço com os nossos "músculos" de neurônios para conduzir as peças e peões da melhor maneira possível em um tabuleiro minado pelas idéias e planos do enxadrista adversário.

Por sua vez, as partidas rápidas de xadrez, muitas vezes com apenas cinco minutos de tempo para cada jogador, se assemelham a uma verdadeira aeróbica intelectual, com movimentos rápidos e precisos que exigem muito "fôlego" dos enxadristas.

O mestre internacional e escritor cubano Nelson Pinal, em artigo sobre as pesquisas mais recentes sobre a conservação da memória por meio de exercícios mentais, conclui que "calcular árvores de variantes e encontrar soluções sob a pressão de um tempo determinado é, por si só, um treinamento mental completo, onde, ademais, fatores desportivos e psicológicos obrigam o jogador a ser sumamente exato no processo mental que implica na busca e comprovação de soluções."

Concordando com Goethe e Pinal, sem esquecermos o ensaio seminal de Benjamin Franklin, temos os autores espanhois contemporâneos López Manzano e Monedero González que afirmam, em seu imperdível Xadrez dos Grandes Mestres, que a prática regular do xadrez possibilitaria o desenvolvimento e aprimoramento de quase duas dezenas de atitudes e habilidades muito importantes:
  • Autocrítica
  • Capacidade de cálculo
  • Capacidade de decisão
  • Concentração
  • Controle nervoso
  • Criatividade
  • Espírito de luta
  • Força de vontade
  • Imaginação
  • Intuição
  • Lógica
  • Memória
  • Objetividade
  • Organização
  • Planificação
  • Previsão
  • Sociabilidade
  • Superação do fracasso
  • Visão espacial
Os autores fecham a sua lista afirmando que, por deixar a mente sempre desperta (e bem exercitada), a prática do xadrez também ajudaria a impedir o aparecimento do Mal de Alzheimer nos cérebros dos enxadristas! Trata-se da teoria da reserva cognitiva. Fato científico ou algo muito bom para ser verdade?

Leitura recomendada:
  • D’AGOSTINI, Orfeu. Xadrez Básico. São Paulo : Ediouro, 1954.
  • GONZÁLEZ, José M. e MANZANO, Antonio L. O Xadrez dos Grandes Mestres: 400 conselhos para melhorar o seu nível enxadrístico. Trad.: Abrão Aspis. Porto Alegre : Artmed, 2002.

Para saber mais:

Problema da Semana
Este problema consta nas ótimas crônicas Mitos em Xeque, de Arrabal, foi criado em maio de 1922 por B. Harley e publicado no Chess Amateur.

Trata-se de um mate das brancas em 2 lances.

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Solução: [ 1.Rd1 (Se 1...exf 2.Rc2 mate; Se 1...exd 2.Rxd2 mate; Se 1...Rxf2 2.Bxe3 mate), todavia, o Chessmaster XI encontrou uma solução mais agressiva com 1.0-0-0+ Rxf2 2.Bxe3 mate. ]

O Astronauta que Desafiou a Terra


Por Roberto Cruz.

O astronauta norte-americano de origem canadense Gregory Chamitoff é um enxadrista que vem desafiando os centros de controle espacial ao redor do mundo para as primeiras partidas espaciais da história da humanidade. Os centros estão localizados nos Estados Unidos, Europa, Rússia e Japão. O habilidoso Chamitoff faz seus lances e os enxadristas dos centros respondem com lances escolhidos por votação.

Chamitoff é graduado em engenharia elétrica e aeronáutica na Califórnia e possui PhD em astronáutica e aeronáutica pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Atualmente atua como engenheiro de vôo na Estação Espacial Internacional, um verdadeiro laboratório espacial ainda em contrução localizado em uma órbita da Terra. A estação se desloca em uma velocidade média de 27.700 km/h, completando 15,77 órbitas no planeta por dia.

Em setembro do ano passado, a NASA juntamente com a Federação de Enxadrismo Norte-americana organizaram o primeiro match Terra versus Espaço. A partida que tem Chamitoff conduzindo as brancas e os enxadristas de todo o mundo de negras já está em seu 20º lance e pode ser acompanhada no site da federação estadunidense.

Para saber mais:


Problema da semana
Final da partida entre Dikarev e Peltz, mostrada na coletânea de crônicas Mitos em Xeque, do dramaturgo e romancista espanhol Fernando Arrabal.
As brancas jogam e empatam.


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Solução: [ 1.De5+ Rh7 (ou Rg8) 2.Dg7+ Dxg7 empate.]

A Ruy López de Einstein


Por Roberto Cruz.

O célebre físico Albert Einstein teve o seu interesse despertado pela arte de Caíssa ainda na infância e tornou-se um hábil estrategista do tabuleiro durante a adolescência. Em 1927 veio a conhecer o grande mestre Emanuel Lasker e tornaram-se bons amigos. Lasker, que também era judeu alemão, manteve-se como um invencível campeão do mundo por um longuíssimo período de vinte e sete anos, de 1894 a 1921, o mais extenso da história do enxadrismo. Lasker, um erudito, filósofo e matemático, era visto por Einstein como um novo “homem renascentista”. A tese de doutorado em matemática de Lasker, On Series at Convergence Boundaries, é considerada como uma das principais contribuições para a fundação da álgebra moderna. Com o advento do Nazismo, ambos tiveram que fugir com suas famílias da Alemanha.

Em 1933, já estabelecido nos Estados Unidos, Einstein disputou, ironicamente, uma partida contra o pai da bomba atômica, Robert Oppenheimer, em Princenton. Einstein iniciou a partida de brancas com a abertura espanhola Ruy López e Oppenheimer respondeu com o sistema Morphy. Einstein, que era definitivamente contra o uso das novas descobertas da física teórica para a construção de armas nucleares, derrotou Oppenheimer após 24 lances, mostrando quem era o mais inteligente dos dois.

Para saber mais:
  • Clique aqui para acessar o pequeno verbete que criei para a Wikipédia sobre a partida entre Einstein e Oppenheimer.

Problema da semana
Composto por André Philidor, músico francês e mestre de xadrez do século XVIII.
As brancas jogam e ganham. Mate forçado em 4 lances.

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Solução: [ 1.Cf7+ Rg8 2. Ch6+ Rh8 (Se 2...Rf8, logo 3. Df7#) 3.Dg8+ Txg8 4. Cf7# ]

O Rei em Perigo de Benjamin Franklin


Por Roberto Cruz.

Benjamin Franklin, o célebre escritor, diplomata e cientista norte-americano, também foi um entusiasta do enxadrismo, que é o estudo e a prática do jogo de xadrez. Considerava o tabuleiro de xadrez, suas peças e peões, como uma representação simbólica do mundo, repleto de conflitos, dilemas e perigos a serem vencidos. Em 1779 chegou a escrever um pequeno e belíssimo ensaio sobre as virtudes do esporte (o xadrez hoje em dia é reconhecido como esporte intelectual pelo Comitê Olímpico Internacional), intitulado A Moral do Xadrez (The Morals of Chess). No ensaio assegurava que o enxadrismo não é uma fútil diversão, mas que aprimora as qualidades mais necessárias à vida, e dentre elas, citou como principais a previsão, a circunspecção, a cautela e a perseverança.

Franklin também deixava refletir os ideais republicanos em suas partidas. Certa vez, foi atacado por um adversário que deu xeque em seu rei. Franklin simplesmente ignorou o lance e fez outro movimento totalmente alheio ao que acontecia com seu monarca. O adversário objetou surpreso: “O senhor não está vendo que o seu rei está em xeque?” Ao que respondeu Franklin, “Estou vendo, mas não vou defendê-lo. Se ele fosse um bom rei, como o seu, mereceria a proteção dos súditos. Mas é um tirano, e já custou a eles muito mais do que o seu valor. Pode levá-lo, se quiser. Posso me arranjar sem ele e lutarei o resto da batalha como um republicano.”

Referências:
  • SHENK, David. O Jogo Imortal: o que o xadrez revela sobre a guerra, a arte, a ciência e o cérebro humano. Trad. Roberto Franco Valente. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2007.

Problema da semana
Este interessante problema foi criado pela famosa enxadrista húngara Susan Polgar, quando tinha apenas quatro anos de idade (1973).
As brancas jogam e ganham. Mate em 2 lances.


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Solução: [ 1.Rd1 Rf1 2.Dd1 mate. ]